quarta-feira, 6 de maio de 2009

# 6 - Governo Obama: Uma nova era nas relações entre americanos, palestinos e israelenses?

Obama e Peres



Por Leonardo Luiz Silveira da Silva, 6/5/2009

Nesta terça-feira(5/5/2009), Shimon Peres, velha raposa da política israelense, esteve nos Estados Unidos para se encontrar com o presidente norte-americano Barack Obama. Peres é daqueles sujeitos que as décadas passam e apesar disto o seu nome permanece ligado ao alto escalão do governo. Em um paralelo à política brasileira faria um papel de PMDB. Peres também é autor de livros, dentre eles “O novo Oriente Médio[1]”, obra em que argumenta que uma das formas de apaziguar as relações com os palestinos é a efetivação de políticas por parte de Israel que visem uma melhor qualidade de vida dos palestinos. Como ele mesmo afirmou em um trecho deste livro, “a pobreza é o pai do fundamentalismo religioso”. Afirmou também que a Faixa de Gaza seria uma maravilha em um cenário de paz duradoura. Neste cenário vislumbrado por Peres, a construção de portos e o pleno desenvolvimento da indústria pesqueira seriam importantes alicerces para a promoção de uma excepcional qualidade de vida, o que contrasta atualmente com a paupérrima situação da Faixa de Gaza. Como já foi afirmado que Shimon Peres esteve sempre ligado ao governo, pela menos nas últimas duas décadas e os seus argumentos presentes neste livro não se tornaram práticas efetivas, considero duas possibilidades: a primeira é que Shimon Peres trata-se de um mero demagogo, com discursos politicamente interessantes a um determinado nicho político, mas descompromissado com a efetivação de tais discursos; a segunda é que Peres, apesar de possuir a intenção de efetivar os seus discursos, esbarra em entraves políticos para colocá-los em prática, o que também acaba não sendo suficiente para frustrá-lo e fazer com que a velha raposa largue o bastão do poder.
O encontro com Obama marca o debate entre um presidente americano que adotou um tom de apoio menos explícito a Israel do que o seu antecessor e um governo israelense chefiado pelo primeiro ministro Benjamin Netanyahu, que assumiu o governo em março deste ano com um discurso de endurecimento das relações bilaterais com os palestinos e iranianos. A disposição de Obama de dialogar com Teerã deve no mínimo incomodar o Estado Judeu, a medida que o governo iraniano, na figura de Mahmoud Ahmadinejad, já alegou que Israel deveria ser varrido do mapa.
Segundo a reportagem da folha/UOL[2], Joe Biden, vice-presidente americano, fez declarações fortes a respeito da relação entre palestinos e israelenses:


"Israel tem que trabalhar com a solução de dois Estados", afirmou hoje Biden em discurso ao grupo de lobby pró-israelense Aipac na capital americana. "Vocês não vão gostar que eu diga isto, mas não construam mais assentamentos, derrubem os que já existem e permitam o livre trânsito dos palestinos."


Biden tocou desta forma em dois dos assuntos mais polêmicos no que diz respeito ao processo de negociação entre palestinos e israelenses. Os assentamentos sempre foi uma questão muito dura de ser debatida internamente em Israel. O governo Israelense incentivou em dado momento de sua jovial história enquanto Estado moderno, a migração de famílias para as áreas que foram ocupadas devido às vitórias militares posteriores a Independência do país, em 1948. Recentemente, assentamentos foram destruídos na Faixa de Gaza e foi necessário um efetivo militar para garantir a retirada de colonos judeus. A resistência para a retirada foi forte e houve famílias que receberam os soldados com muita hostilidade, com água quente e spray de pimenta. Na Cisjordânia a situação é ainda mais complexa. Existe um número ainda maior de colônias espalhadas por este território. Além disso, a porção oriental da Cisjordânia é rica em recursos hídricos subsuperfície, fazendo parte da bacia do Rio Jordão. Alguns árduos defensores da causa israelense, como Alan Dershowitz[3], apresentam um ponto de vista não muito comum no que diz respeito a situação dos assentamentos israelenses na Cisjordânia:


“Os árabes e palestinos recusaram-se a fazer a paz antes de haver uma única colônia, e os palestinos recusaram-se a fazer paz quando Ehud Barak ofereceu acabar com as colônias.(DERSHOWITZ, 2004, p.234)”


A retórica de Dershowitz é a defesa de Israel em relação ao argumento de que a colonização israelense da margem ocidental e de Gaza é um grave empecilho a paz. Não concordo com os argumentos deste autor, mas eles servem a nos mostrar que, se tratando de conflito palestino-israelense, o que mais podemos recolher é distintos pontos de vista a partir da mesma questão. Gaza mostrou-se um caso menos complexo. Trata-se de um território com elevadíssima densidade demográfica e graves problemas sociais. Retirar os colonos dali, com financiamento estatal, somente poderia esbarrar na lógica defendida pelos segmentos mais ortodoxos da sociedade judaica que associam o direito à terra ao sagrado. A Cisjordânia, por outro lado, é responsável por um significativo percentual do abastecimento hídrico de Israel, tornando-se uma questão sacra, econômica e política, à medida que em um cenário de concessão de ampla autonomia à autoridade palestina, poderia forçar Israel e Jordânia voltar a mesa e renegociar parte de seu tratado de paz assinado em 1994.
A visita de Shimon Peres aos Estados Unidos deve perder em importância para a visita programada de Netanyahu, marcada para o fim de Maio. Netanyahu é um ex-rival de Peres na política israelense, tendo inclusive rejeitado parte dos termos de paz que Yitzhak Rabin assinou em 1994 nos acordos conhecidos como Acordos de Oslo. Basta saber o que será conversado entre Netanyahu e Obama, naquele que será um verdadeiro teste diplomático para o recém empossado presidente americano, que ficará entre a cruz e a espada diante do linha-dura da política israelense, visto que, o discurso da base governamental de Obama vai de encontro com o perfil histórico do estadista judeu.

Citações


[1] Peres, Shimon. O Novo Oriente Médio. São Paulo, Relume Dumará, 1996.
[2] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u561003.shtml
[3] Dershowitz, Alan. Em defesa de Israel. São Paulo. Nobel, 2004

sábado, 2 de maio de 2009

Gripe suína e biopoder

Danilo Arnaldo Briskievicz

Hoje vamos conversar sobre a gripe suína (H1N1) e o biopoder, conceito criado pelo filósofo francês Michel Foucault.

Vamos aos fatos: “o número de casos de vírus gripal influenza A (H1N1), nova forma adotada para chamar a gripe suína, confirmados pela Organização Mundial da Saúde (OMS) praticamente duplicou nas últimas 24 horas, e agora chega a 615, incluindo 17 mortes em 15 países. No Brasil, há sete casos suspeitos, mas nenhuma confirmação. Só o México reportou 397 casos confirmados de infecções humanas causadas pelo novo vírus. Dezesseis pessoas morreram, informa a OMS[1].” Você já se perguntou a respeito do direito que alguém tem de portar o vírus e de querer morrer com ele? Será que as pessoas portadoras são, de fato, responsáveis pela pandemia? Qual a situação do indivíduo nos estados de direito em relação à pandemia? Por que o Estado e o monitoramento dos dados são essenciais para a vigilância da pandemia? Foucault nos auxilia nessa espinhosa tarefa de pensar o coletivo a partir de uma doença que se alastra mais pela mídia do que de um indivíduo ao outro.

Vamos ao biopoder. Para Foucault a modernidade é o controle do corpo, do indivíduo. As técnicas de controle se aprimoram e se tornam um poder disciplinar que nada mais é que uma organização visível desses corpos no espaço. É o controle do individuo, técnica de controle individualizante. O biopoder é massificante, é exercido sobre a multiplicidade dos homens, uma massa global “afetada por processos de conjunto que são próprios da vida, que são processos como o nascimento, a morte, a produção, a doença, etc.[2]”. É o surgimento da biopolítica que visa o controle da espécie humana. É uma técnica de controle da massa: “trata-se de um conjunto de processos como a proporção dos nascimentos e dos óbitos, a taxa de reprodução, a fecundidade de uma população, etc[3]”.

A medição estatística (os dados da OMS nos assustam, a todo tempo... mas por que nos assustam?) e a medição demográfica (a população mundial irá diminuir com a pandemia?) enquanto iniciativas do Estado têm seu advento nesse contexto. É assim que podemos afirmar que o termo estatística surge da expressão em Latim statisticum collegium, palestra sobre os assuntos do Estado, de onde surgiu a palavra em língua italiana statista, que significa "homem de estado", ou político, e a palavra alemã Statistik, designando a análise de dados sobre o Estado. A estatística é uma área do conhecimento que utiliza teorias probabilísticas para explicação de eventos, estudos e experimentos. Tem por objetivo obter, organizar e analisar dados, determinar as correlações que apresentem, tirando delas suas consequências para descrição e explicação do que passou e previsão e organização do futuro. A estatística é também uma ciência e prática de desenvolvimento de conhecimento humano através do uso de dados empíricos. Baseia-se na teoria estatística, um ramo da matemática aplicada. Na teoria estatística, a aleatoriedade e incerteza são modeladas pela teoria da probabilidade. Algumas práticas estatísticas incluem, por exemplo, o planejamento, a sumarização e a interpretação de observações (como no caso de uma pandemia). Porque o objetivo da estatística é a produção da "melhor" informação possível a partir dos dados disponíveis, alguns autores sugerem que a estatística é um ramo da teoria da decisão (ou seja, quem vive e quem morre).

A medição demográfica emerge também como forma de biopoder: a demografia é a ciência que estuda a dinâmica populacional humana. O seu objeto de estudo engloba as dimensões, estatísticas, estrutura e distribuição das diversas populações humanas. Estas não são estáticas, variando devido à natalidade, mortalidade, migrações e envelhecimento. A análise demográfica centra-se também nas características de toda uma sociedade ou um grupo específico, definido por critérios como a Educação, a nacionalidade, religião e pertença étnica. No século XIX, mais precisamente no ano de 1855, Achille Guillard em seu livro Eléments de Statistique Humaine ou Démographie Comparée, usou pela primeira vez o termo demografia.

A biopolítica lida com a população humana. Por isso, Foucault apresenta como exemplos da nova atuação do Estado a criação das instituições públicas para a medicalização da população, a higiene pública, o controle das epidemias e a criação das instituições de assistência à população. A cidade se torna o locus privilegiado da atuação biopolítica: “a natalidade, a morbidade, das incapacidades biológicas diversas, dos efeitos do meio, é disso tudo que a biopolítica vai extrair seu saber e definir o campo de intervenção de seu poder[4]”.

Foucault analisa a noção de população. O indivíduo com seu corpo (indivíduo-corpo) ressurge reagrupado num coletivo, múltiplo, numerável, quantificável, contabilizável. A população é o objeto de interesse supremo da biopolítica por que diz é um problema político, intrinsecamente ligado á problemática biológica da espécie. Não teríamos aqui o medo alucinante do mercado capitalista atual de perder mão-de-obra e dos estados tornarem-se doentios a ponto de perderem consumidores e trabalhadores? Não teríamos aqui a verdadeira justificativa para o alarme mundial?

A noção de fenômeno coletivo advem do surgimento dos acontecimentos aleatórios do qual irá se ocupar a biopolítica: “a biopolítica vai se dirigir, em suma, aos acontecimentos aleatórios que ocorrem numa população considerada em sua duração[5]”.

Os mecanismos de previdência surgem, assim, em torno dos fenômenos aleatórios, qualidade intrínseca da população de seres vivos. Esses mecanismos disciplinares visam maximizar as forças “mediante mecanismos globais, de agir de tal maneira que se obtenham estados globais de equilíbrio, de regularidade[6]”, conseguindo-se assim, sob a espécie humana uma regulamentação.

É assim que a regulamentação surge acoplando-se, aperfeiçoando-se, aglutinando-se ao poder da soberania – poder fazer morrer, criando o poder de fazer viver e deixar morrer. É a objeção, é a negação, a desqualificação progressiva e incisiva da morte: “isso sobre o que o poder tem domínio não é a morte, é a mortalidade. E, nessa medida, é normal que a morte, agora, passe para o âmbito do privado e do que há de mais privado. Enquanto, no direito de soberania, a morte era o ponto em que mais brilhava, da forma mais manifesta, o absoluto poder do soberano, agora a morte vai ser, ao contrário, o momento em que o indivíduo escapa a qualquer poder, em sua parte mais privada. O poder já não conhece a morte. No sentido estrito, o poder deixa a morte de lado[7]”. Essa regulamentação é a biopolítica.

Vamos à conclusão. Foucault afirma que o biopoder é uma forma de controle e vigilância da sociedade. No caso da sociedade capitalista o número de trabalhadores e consumidores (o chamado mercado) está relacionado ao número efetivo de vivos, já que mortos não consomem, nem trabalham. A OMS está preocupada com a morte coletiva, em proporções alarmantes. Está evidente que a OMS (organização ligada aos Estados) faz isso com total lucidez. Mas me inquieto diante da seguinte questão-provocação: por que não há nenhum movimento global em relação aos mortos por causa do HIV na África? Isso é um problema menor? Por que a pobreza (a pior doença do mundo atual) não está na pauta do dia da OMS? Se há uma pandemia que pode matar qualquer um (será que Obama está livre dela? E a rainha Elizabeth? E o presidente Lula?) todos podem ser vítimas. No caso do biopoder quando grupos sem voz e sem vez estão morrendo não é relevante. Quando os grupos são identificados como “específicos” (africanos com HIV, nordestinos famintos e sedentos, palestinos sem Estado na Faixa de Gaza, trabalhadores sem terra, etc) não há uma mobilização mundial. As perguntas (assim como o H1N1 seja ele o que for) estão no ar... haja máscara para impedir que sejam feitas...

[1] www.g1.globo.com. Acesso: 1]/05/2009.
[2] FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 289.
[3] Id.,p.290.
[4] Id.,p. 292.
[5] Id.,p. 293.
[6] Id.,p. 294.
[7] Id.,p. 296.