Por José Álvaro Pereira da Silva
A matéria do professor Leonardo Antônio intitulada “A Educação na pós-modernidade: vestígios de muros que separam dois mundos”, publicada neste Blog no dia 17 de abril, se apresentou, para mim, como um estímulo para construir mais dúvidas acerca da Escola e dos seus muros. Falo de dúvidas porque acredito que a melhor lógica para o trato com o conhecimento não são as certezas e sim as dúvidas. Ao ler a referida matéria me vieram à mente as imagens do excelente filme “Entre os Muros da Escola”1, do diretor Laurent Cantet, em que é mostrada uma escola da periferia de Paris onde estudam filhas e filhos de imigrantes, rejeitados por uma sociedade que tem medo de conviver com as diferenças, principalmente uma diferença como essa expressa pela condição migrante. Sugiro que todos os educadores e outros profissionais que trabalham com educação assistam este filme!
No filme, François (François Bégaudeau) e seus colegas professores preparam o novo ano letivo em uma escola da periferia parisiense. Munidos das melhores intenções preparam suas aulas, sem se lembrar de que os sentidos de por quê estudar não são os mesmos que estão na cabeça dos alunos. Esquecem-se de que esses sentidos não são dados a priori, mas precisam ser reconstruídos cotidianamente, o que exige, muitas vezes, que a escola quebre os muros que a separam da vida real e dialogue com os estudantes sobre os motivos que os trazem à escola e que, quase sempre, impedem que de fato estudem. Que sentido esses adolescentes e jovens atribuem ao ato de estudar?
Vemos um grande distanciamento entre o que a Escola propõe e aquilo que os estudantes realmente necessitam. No referido filme vimos que a lógica do aprender e do ensinar é incompatível com a lógica da sobrevivência a qualquer custo, a que os migrantes muitas vezes estão submetidos.
Os estudantes, experimentados na lógica da competição em que apenas uns poucos são premiados, sabem muito bem que muitas das promessas tradicionalmente atribuídas à escola, enfim aos portadores de um diploma, não serão cumpridas. Por vivenciarem esse contexto em outras esferas de sua vida, é que os alunos não aceitam nem as falsas promessas nem o discurso de autoridade dos professores. Por isto é preciso que o sentido da Escola seja reinventado pelos sujeitos que dela fazem parte.
Não podemos continuar reproduzindo uma concepção de escola em que o conhecimento é visto do ponto de vista instrumental, como meio e não como fim. Precisamos continuamente nos perguntar pelos fins do conhecimento, senão ele servirá a qualquer fim. Se isto acontecer, ou seja, se considerarmos que o fim da educação já está dado e que não é preciso reconstruí-lo, hoje, à luz das expectativas dos sujeitos que chegam à escola, estaremos naturalizando a concepção de que a função da escola é, por exemplo, preparar para o vestibular, ou mesmo preparar para o mercado de trabalho, e treinaremos esses sujeitos para uma competição desumana contra os demais.
Esse caráter utilitarista que cada vez mais prevalece na escola reforça, a meu ver, os muros que ela erige à sua volta, na medida em que direciona os sujeitos para a competição com os demais, em busca do sucesso individual. Assim é que caminhamos em direção à barbárie, exemplos da qual podem ser vistos diariamente nas páginas dos jornais, expressos no número assustador de jovens assassinados nas periferias dos grandes centros urbanos, de pais ou responsáveis que não cuidam de seus filhos ou mesmo que os violentam, ou dos crimes mais inimagináveis de que temos ouvido falar ultimamente, desde aquela primeira notícia, que tanto nos impressionou, sobre o índio queimado em Brasília, sem falar no inverso de tudo isto, que é a criminalização de militantes que se envolvem na luta contra o latifúndio, ou na demissão de centenas de funcionários de grandes empresas dos EUA que continuam sendo demitidos, apesar dos mais de 13 bilhões de dólares recebidos de empréstimos às custas dos cofres públicos.
Podemos reconhecer tais situações em nossa sociedade como exemplos de ocorrência de barbárie, o que indica que a sociedade tem responsabilidade sobre esse estado de coisas. Caso contrário devemos inverter a lógica da explicação e responsabilizar as vítimas da exclusão como as responsáveis pela sua própria exclusão, como, aliás, vemos acontecer tantas vezes, na mídia.
Se quiser romper com esses muros, cabe à Escola pensar em uma educação para a emancipação2, isto é, uma educação cujos objetivos não sejam reduzidos à lógica instrumental. É preciso que a freqüência à Escola seja entendida como um importante momento da vida das pessoas, que deve ser vivido de maneira agradável, enfim deve fazê-las mais felizes. O geógrafo Milton Santos nos ajuda a pensar sobre os objetivos da educação quando nos diz que
"A educação não tem como objeto real armar o cidadão para uma guerra, a da competição com os demais. Sua finalidade, cada vez menos buscada e menos atingida, é a de formar gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo. A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida.”3
A existência dos muros materiais ou imateriais que cercam a escola não é algo natural, mas histórico, que serve para inculcar valores nos estudantes que ajudam a manter as bases de uma sociedade identificada com o modo de produção capitalista, isto é, que transforma o sujeito em mercadoria e faz prevalecer o processo social de dominação. Por isto devemos estranhá-los e ajudar os educandos a construírem os questionamentos e indagações que se fazem necessários para sua superação. Precisamos acreditar que os objetivos da escola podem ser outros e que a formação de um ser humano ético e solidário, que acredita na humanidade, é um excelente objetivo para a escola.
"A educação não tem como objeto real armar o cidadão para uma guerra, a da competição com os demais. Sua finalidade, cada vez menos buscada e menos atingida, é a de formar gente capaz de se situar corretamente no mundo e de influir para que se aperfeiçoe a sociedade humana como um todo. A educação feita mercadoria reproduz e amplia as desigualdades, sem extirpar as mazelas da ignorância. Educação apenas para a produção setorial, educação apenas profissional, educação apenas consumista, cria, afinal, gente deseducada para a vida.”3
A existência dos muros materiais ou imateriais que cercam a escola não é algo natural, mas histórico, que serve para inculcar valores nos estudantes que ajudam a manter as bases de uma sociedade identificada com o modo de produção capitalista, isto é, que transforma o sujeito em mercadoria e faz prevalecer o processo social de dominação. Por isto devemos estranhá-los e ajudar os educandos a construírem os questionamentos e indagações que se fazem necessários para sua superação. Precisamos acreditar que os objetivos da escola podem ser outros e que a formação de um ser humano ético e solidário, que acredita na humanidade, é um excelente objetivo para a escola.
Se a nossa opção é por uma escola sem muros, precisamos superar a alienação contemporânea, que nos faz aceitar esse estado de coisas que permite tanta barbárie como sendo natural e construir um caminho democrático para a formação de sujeitos autônomos, críticos, capazes de compreender sua realidade e de nela se inserirem.
Uma escola sem muros certamente poderá nos ajudar a construir uma sociedade mais humana, em que a violência não se reproduza de forma generalizada através do discurso neoliberal que produz o individualismo exacerbado e uma competição mortal pelo sucesso.
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Referências Bibliográficas:
Referências Bibliográficas:
* Fonte da imagem: HARPER, Babette et. alii. CUIDADO, ESCOLA. São Paulo: Livraria Brasiliense Editora S.A. 1980. p. 42.
1. Entre os Muros da Escola. Direção: Laurent Cantet. França, 2009. 128 min.
1. Entre os Muros da Escola. Direção: Laurent Cantet. França, 2009. 128 min.
2. ADORNO, T. W. Educação e Emancipação. Trad. Wolfgang Leo Maar. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
3. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 5ª ed. São Paulo: Nobel, 1998. p 126.
3. SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 5ª ed. São Paulo: Nobel, 1998. p 126.
Fiquei muito feliz com a qualidade do conteúdo deste blog. Sucesso e parabéns a equipe. Domingos
ResponderExcluirSou fã desta "turminha"!!
ResponderExcluirParabéns pela iniciativa do blog!
Um abraço!
Prof.ª Marina
Parabéns Álvaro, pensar a escola é mais do que necessário. Produzir questionamentos e não apenas respostas produzidas acerca da realidade promove uma modificação das bases já estruturadas que temem em continuar imóveis e imutáveis. Tomara que em algum momento a teoria Freiriana, acerca da pedagogia da pergunta, passe a fazer parte constante do ambiente escolar. Continuemos a reflexão acerca das contradições latentes que tomam conta do espaço escolar e da construção do conhecimento.
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