sexta-feira, 17 de abril de 2009

A educação na pós-modernidade: Vestígios de muros que separam dois mundos

Turista escreve em parte do Muro de Berlin. *
Por Leonardo Antônio Muniz [1]

Estamos vivendo em uma sociedade que está sendo influenciada pelas conseqüências da tríade revolucionária – microeletrônica, microbiologia e energia nuclear – segundo Adam Schaff [2]. Para SCHAFF (1990: 21):

Atualmente, não é necessário ser marxista – embora este modo de pensar seja típico do marxismo – para iniciar uma análise das mudanças sócio-políticas que estão ocorrendo sob os nossos olhos, e cuja evolução pode ser prevista com bom grau de aproximação, partindo das mudanças na produção e das mudanças técnico-científicas correlatas.

As conseqüências dos avanços técnico-científicos podem ser percebidas por qualquer pessoa que queira compreender e refletir acerca de como as modificações na produção e nos serviços passaram a influir nas relações sociais. Nem sempre esta influência pode ser considerada como “positiva”, pois a mesma tecnologia e ciência que promete dias melhores também pode promover situações que não eram esperadas por aqueles que dominam o seu contexto de produção e uso na sociedade.

A microeletrônica, segundo Adam Schaff, promoveu diversas melhorias na vida das pessoas através da invenção de pequenos aparelhos e objetos que simplesmente nos rodeiam por todos os lados pelas suas mais diversas manifestações. Relógios, calculadoras, computadores, caixas eletrônicos, televisores, celulares, utensílios domésticos, etc. Todos estes equipamentos e objetos são resultados desta revolução dado pela microeletrônica. Contudo, esta mesma tecnologia que ajuda em nossa vida cotidiana também produz seus efeitos negativos junto às relações sociais, pois esta mesma tecnologia também passou a ser utilizada para fins bélicos. Na guerra do golfo, na década de 90, a população mundial assistia através de seus televisores a inauguração da “guerra moderna”. Neste momento, os televisores de todo mundo transmitiam imagens de ataques feitos por mísseis tele-guiados, onde a precisão de acerto era de quase 100 %. A televisão foi transformada no que parecia ser um grande vídeo game. Milhares de pessoas inocentes foram mortas no território iraquiano neste momento. Contudo, a má utilização da tecnologia, para fins bélicos, não parou, e nem parece que irá parar, por parte dos países imperialistas.

Da mesma forma, a tecnologia passou a influenciar os sistemas de produção em série das linhas de montagem das fábricas, substituindo o tradicional trabalho humano por máquinas e computadores automatizados. Tal fato vem causando algumas mudanças estruturais na sociedade e provocando problemas das mais diversas ordens. Sobre este assunto, SCHAFF (ibidem: 22-23) relata:

Podemos, todavia, chamar de revolução a este conjunto de fatos conhecidos e muitas vezes profundamente radicados em nossa consciência? Não há dúvidas que sim. Trata-se da segunda revolução técnico-industrial. A primeira, que pode ser situada entre o final do século XVIII e o início do século XIX e cujas transformações ninguém hesita hoje em chamar de revolução, teve o grande mérito de substituir na produção a força física do homem pela energia das máquinas (primeiro pela utilização do vapor e mais adiante sobretudo pela utilização da eletricidade). A segunda revolução, que estamos assistindo agora, consiste em que as capacidades intelectuais do homem são ampliadas e inclusive substituídas por autômatos, que eliminam com êxito crescente o trabalho humano na produção e nos serviços. A analogia com a primeira revolução industrial está no salto qualitativo operado no desenvolvimento da tecnologia já existentes; a diferença, porém, está em que enquanto a primeira revolução conduziu a diversas facilidades e a um incremento no rendimento do trabalho humano, a segunda, por suas conseqüências, aspira á eliminação total deste. Isto significa, por um lado, a libertação do homem da maldição divina do Velho Testamento, segundo a qual ele deveria ganhar o pão de cada dia com o suor do seu rosto; por outro lado, todavia, esta nova revolução coloca uma série de problemas sociais ligados á necessidade de se encontrar uma instituição que possa substituir o trabalho humano tradicional, seja como fonte de renda que permita ao homem satisfazer suas necessidades materiais, seja como fonte tradicional de “sentido de vida”, entendido como fundamental para satisfação das suas necessidades não-materiais, isto é, das suas necessidades espirituais.

Estas são algumas das mudanças estruturais provocadas pela microeletrônica no contexto social da atualidade. Outro fato importante tem a ver com a revolução promovida pela microbiologia, com sua competente resultante, a engenharia genética. Com estes avanços técnico-científicos, inúmeras modificações já estão se fazendo sentir no campo das relações humanas frete a natureza orgânica, pois a engenharia genética permite a modificação dos códigos genéticos inatos das plantas e animais, mas também acaba por modificar as relações do homem consigo mesmo. A personalidade e identidade humana estão sendo colocadas em discussão quando esta tecnologia diz permitir a alteração genética das características físicas e orgânicas dos seres.

SCHAFF (ibidem: 23) menciona que:

(...), a revolução microbiológica coloca alguns perigos para a evolução do homem, perigos com os quais nos deparamos até agora apenas nas obras de ficção científica: ingerências na personalidade humana, produção artificial de seres humanos com diversas características “encomendadas” com antecedência (imaginemos, por exemplo, a “encomenda” de seres “obedientes” a este ou àquele regime totalitário), ou também a produção de um certo número de indivíduos idênticos no que se refere às características físicas e mentais (através da utilização da técnica do clone).

Todas estas discussões acabam envolvendo o espaço de relações humanas da atualidade e modificam o imaginário coletivo. Tais questões, que acompanham o cotidiano das pessoas, provocam, querendo ou não, uma influência sobre o modo de pensar e agir sobre o espaço geográfico.

Nas escolas, percebe-se um discurso que vem tomando conta dos momentos de intervalo. Vira e mexe, um professor comenta sobre a falta de perspectivas que as novas gerações estão encontrando para se estimularem nas atividades ligadas ao processo de ensino-aprendizagem. Ora, existe toda uma realidade fora da escola que está alterando a forma de pensar das pessoas acerca de suas necessidades, desejos, perspectivas, sonhos, sentimentos, pensamentos, anseios. Como nós esperamos que um jovem pense, acerca das suas necessidades de ensino-aprendizagem, se existe um mundo fora dos muros da escola que está lhe dizendo que o emprego é uma coisa em extinção e que não importa o quanto ele estude.

Ao ligar o televisor, o tele-jornal anuncia que o desemprego entre aqueles que possuem o nível superior é maior do que aqueles que só possuem o ensino médio. Ou ainda, que a média salarial daqueles que possuem o ensino superior é menor do que aqueles que só possuem o ensino médio. Como nós educadores desejamos que o aluno reaja a estas informações? A todo instante, toneladas de informações, nem sempre dignas de confiança, são transmitidas e divulgadas para milhares de pessoas simultaneamente pela grande mídia. Filmes, revistas, jornais, novelas, livros e músicas são artigos produzidos constantemente pela indústria cultural da atualidade.

O objetivo da escola de ensino básico, que há algum tempo atrás foi promover a formação do ser para ingressar no mercado de trabalho e/ou em um curso de nível superior, para garantir a ocupação ou o equilíbrio econômico do ser, está sendo mudado para algo bem menos promissor.

Dizem as más línguas, da impressa principalmente, que existem até mesmo doutores desempregados nos grandes centros urbanos. Antigamente, o discurso que imperava na sociedade é que só ficavam desempregados aqueles que não desejavam estudar, pois a formação era suficiente para dar uma boa colocação ao indivíduo no mercado de trabalho. Contudo, este desemprego estrutural está tomando conta de todas as formas de trabalho humano tidas como tradicionais. Não só no trabalho de ordem manual, mas também no trabalho de ordem intelectual. Contudo, segundo SCHAFF (ibidem: 42), “... devemos salientar que a eliminação do trabalho (no sentido tradicional da palavra) não significa o desaparecimento da atividade humana, que pode adquirir a forma das mais diversas ocupações”. Contudo, estas mudanças na formação social da sociedade acabam se fazendo sentir nos mais diversos setores da atividade humana.

Posso até estar enganado, contudo existem indícios fortes de que estas mudanças estruturais estão também provocando alterações na percepção das pessoas sobre o papel da escola. Ou seja, o discurso de que o aluno deve ir a escola para melhorar de vida, através da aquisição de uma profissão, e conseqüente equilíbrio econômico e social, já não está mais funcionando.

Devesse pelo contrário, reforçar o real papel da educação na vida da pessoa. Dizer ao aluno a verdade, e não ficar criando discursos para justificar e/ou legitimar uma ordem opressora, do atual sistema de organização social, que deseja obrigar os jovens a irem a escola apenas para cumprir uma etapa, para a sua posterior, e não muito provável, inserção no mercado de trabalho. Não devemos formar pessoas para serem simplesmente operários padrões de uma linha de montagem. Não devemos formar pessoas para apenas “passar” no vestibular. Não devemos negar o papel libertador que a educação possui.

Educar para a cidadania não é domesticar os alunos, para aceitarem a ordem opressora da sociedade, e sim garantir a pessoa humana o direito de escolha e de indignação diante de uma situação de opressão e exploração, bem como torná-la autônoma e consciente de seus direitos. Educar de forma tal que permita desenvolver no aluno(a) a capacidade de se ver enquanto sujeito histórico passível de tomar decisões/ações que lhe permitam lutar pelo que acredita.

Paulo Freire [3], sobre este assunto escreve:

Uma das primordiais tarefas da pedagogia crítica libertadora é trabalhar a legitimidade do sonho ético-político da superação da realidade injusta. É trabalhar a genuinidade desta luta e possibilidade de mudar, vale dizer, é trabalhar contra a força da ideologia fatalista dominante, que estimula a imobilidade dos oprimidos e sua acomodação à realidade injusta, necessária ao movimento dos dominadores. É defender uma prática docente em que o ensino rigoroso dos conteúdos jamais se faça de forma fria, mecânica e mentirosamente neutra. (2000: 43)

Os responsáveis pela educação devem, neste momento de transformação estrutural da sociedade, tomar para si a função de resgatar os reais motivos pelo qual ensinam, ou que deveriam estar ensinando. Caso contrário, as constantes transformações no atual contexto sócio cultural da sociedade irá terminar por impor as suas mudanças de forma autoritária e sem nenhuma autonomia pedagógica á escola e àqueles que nela estão envolvidos. Penso que a própria sociedade irá exigir que tais muros, que sombreiam e ofuscam a realidade externa da escola, venham a ser derrubados. Parece que é só uma questão de tempo. Assim como no Alemanha dividida em duas durante a guerra fria.

A escola deve realiza as alterações necessárias para atender as necessidades de real aprendizagem dos educandos, diante do novo contexto sócio cultural, ou ela fechará as portas e perderá o prestígio de ser a “matriarca guardiã” do direito de exercer a função de educar e formar as pessoas que por ela passam, ou que deixarão de passar.
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* Fonte da imagem: Revista Veja on-line, link para acesso <http://veja.abril.com.br/galeria-de-imagens/pintura-de-rua/galeria.shtml>
[1]Geógrafo pela UFMG.
[2]SCHAFF, Adam. A sociedade informática: as conseqüências sociais da Segunda Revolução Industrial. São Paulo: Ed. UNESP: Brasiliense, 1990.
[3]FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: Editora UNESP, 2000.

4 comentários:

  1. Oi Leo,
    Parabéns pela reflexão em relação aos desafios que se apresentam para a instituição Escola no atual contexto de reprodução do capital. Nós, professores, não podemos fugir a esse debate. Se nos esquivarmos dele, a Escola continuará fechada entre os seus muros falando de uma sociedade que ela inda não conhece.
    O seu texto ilumina uma questão importante, qual seja, a de pensar se continuaremos a reproduzir os discursos de que a Escola prepara para a vida, como se a vida não pulsasse nesse espaço enquanto a educação se realiza, ou se construiremos uma educação comprometida com a formação humana do sujeito ético.
    Em relação às promessas de progresso propaladas pelos vorazes defensores da ciência, acredito que o seu texto lança uma boa dúvida e faz um bom contraponto com essas certezas.
    Sugiro que ao discutir os progressos da ciência, você dialogue também com a Teoria Crítica de Adorno e Horkheimer, repensando as promessas de progresso da ciência moderna e suas vinculações com razão, desrazão, saber, poder, dominação, hierarquia, exclusão e barbárie.

    Adorno diz que “O preço que os homens pagam pela multiplicação do seu poder é a sua alienação daquilo sobre o que exercem o poder. O iluminismo se relaciona com as coisas assim como o ditador se relaciona com os homens. Ele os conhece, na medida em que os pode manipular. O homem de ciência conhece as coisas, na medida em que as pode produzir. É assim que o em-si das coisas vem a ser para-ele. Na modificação, a essência das coisas se revela como já sendo desde sempre a mesma, como substrato de dominação.”1

    A ciência, segundo Adorno e Horkheimer, parece servir a qualquer fim sem se preocupar com os limites éticos que o conhecimento devesse ter, já que se fundamenta sobre as bases de uma natureza identificada com o modo de produção capitalista, que transforma o sujeito em mercadoria e que faz prevalecer o processo social de dominação. O objetivo desse esclarecimento, segundo estes mesmos autores, é a autoconservação do todo dominado.
    Quero que saiba que as indagações levantadas no texto tocam em questões cruciais da sociedade moderna, que para alguns vem sendo chamada de sociedade pós-moderna. O texto me estimulou bastante a refletir, a partir da Escola, sobre como a ciência no atual processo de reprodução capitalista vem sendo reduzida à força produtiva. Pensar sobre essas questões podem nos ajudar a entender a forma contemporânea de alienação que chega à Escola e a outros espaços em que a ética é deslocada na direção da competição e do sucesso individual, sem se preocupar com a exclusão dos demais. Falo de uma alienação que torna possível acreditarmos segundo os ideais neoliberais em uma sociedade que promete prazeres imediatos, mas que gera frustração, depressão e niilismo.

    1. ADORNO, T. W. & HORKHEIMER, M. Conceito de Iluminismo. In: Textos escolhidos: Walter Benjamin , Max Horkheimer, Theodor W. Adorno, Jürgen Habermas. Os Pensadores. 2a. ed. Tradução de José Lino Grünnewald et al. São Paulo: ed. Abril Cultural, 1983. p.93.

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  2. Muito legal aqui,amei as postagens.

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  3. Parabéns Leo, Vejo que você é e foi um exelente professor pra mim !

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  4. Muito bom o texto, bastante esclarecedor.

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