sábado, 11 de abril de 2009

Furacão sobre Cuba: parfum no ar


Danilo Arnaldo Briskievicz[1]

Cuba é um corpo estranho na América Latina. A Revolução de 1959 liderada por Fidel Castro e Ernesto Guevara só fez, de fato, aumentar o estranhamento. Uma pequena ilha, de território diminuto, descoberto por Cristóvão Colombo e até o final do século XIX dominado pela Espanha e, depois, totalmente devastada pelo imperialismo norte-americano, possui hoje um dos melhores IDH’s (Índice de Desenvolvimento Humano) do planeta. A educação e a saúde são invejáveis. Até mesmo o crescimento econômico dos últimos anos (graças à aproximação com a União Européia) é um dado excepcional para quem sofre um embargo[2] da maior potência comercial do mundo, os Estados Unidos.

Interessa-nos, contudo, as últimas notícias que chegam da Ilha. Senadores norte-americanos, em missão barackiana, promoveram uma viagem à Cuba para discutir uma política bilateral: “líderes democratas e republicanos do Senado, respaldados por ativistas e empresários, promovem, desde hoje (31 de março), uma iniciativa para levantar as restrições de viagem a Cuba, e afirmam ter os votos suficientes para aprová-la no Congresso.Em entrevista coletiva no Capitólio, o senador democrata Byron Dorgan e o republicano Michael Enzi explicaram que a "Lei para a Liberdade de Viagens para Cuba" busca começar a corrigir a "fracassada" política "unilateral" do embargo imposto há 47 anos”[3]

Para entender a relação entre Estados Unidos e Cuba recorreremos ao livro de Jean-Paul Sartre intitulado Furacão sobre Cuba[4], desconhecido da maioria dos historiadores brasileiros, mas altamente recomendado para um aprofundamento do estudo da questão cubana. Sartre havia feito uma viagem a Cuba em 1949 e retornou à Ilha em 1959. No livro, demonstra sua admiração pela revolução, por Fidel e por Guevara. Conversou com eles, entrevistou-os. É impressionante o olhar sartriano sobre o evento.


Em primeiro lugar, o perfil de Fidel Castro e, por extensão da revolução-, é traçado como o de um intelectual esclarecido, iluminado por um humanismo (“Castro diz que o novo regime é um humanismo. É verdade.(FSC:147)”) de fazer corar as brancas faces dos engagés de 1789. Fidel é um jovem intelectual a serviço da justiça. Ele denuncia o seu motivo para a Revolução: “é que eu não posso suportar a injustiça” (FSC:59). Segundo Sartre, a juventude ali se apresentava na sua mais pronta significação política. Jovens de uma nova esquerda, atentos ao novo mundo, criando uma novidade política (Sartre chega a afirmar que a juventude é a mais letal arma contra o imperialismo!). A injustiça e a vergonha caminhavam juntas, de mãos dadas. Por isso, “quando viam os turistas tratarem a ilha como mulher fácil e sem orgulho, sentiam vergonha - e a vergonha, como acentuou Marx, é um sentimento revolucionário (FSC:133).” Os revolucionários tinham pela frente uma missão quase impossível, contra um inimigo que os poderia esmagar. Assim, a revolução seria um processo lento e difícil pois para os revolucionários “a vitória não apaga tão depressa as lembranças. Continuamos tensos, inquietos. Serão necessários anos, até readquirirmos o equilíbrio(FSC:74).” Para Sartre, a vitória de Cuba é um marco para a América Latina contra o imperialismo norte-americano. Assim, profetiza, “não vejo como povo algum possa se propor, atualmente, uma finalidade mais urgente nem mais digna de seus esforços. É preciso que os cubanos triunfem – ou perderemos tudo, até mesmo a esperança (FSC:185).” A revolução é uma chama de paz a percorrer o mundo. É que para Sartre, “Cuba separa-se do bloco ocidental não para fazer a guerra futura ao lado dos países orientais, mas em favor da paz (FSC:9).” Sartre denuncia o imperialismo norte-americano e sua falência que se revela na agressão ou contra-revolução através da violência: “é preciso, contudo, que os Estados Unidos compreendam – o mais rapidamente possível – que perderão o resto da América desde o primeiro dia de sua agressão, pois a questão cubana diz respeito a toda a América Latina, já que assinala o início da descolonização geral deste continente (FSC:10).” A visão apaixonada de Sartre ilumina-os hoje. O seu olhar sobre Cuba nos primeiros anos da liberação(primeiro passo de uma revolução) é de um otimismo que chega a nos constranger. Sartre não tinha uma bola de cristal para adivinhar o futuro. Mesmo por que seu ateísmo nos sugere que dificilmente apostaria em previsões transcendentais. Sartre estava no olho do furacão. Sua visão estava limitada ao fato. Seu otimismo é próprio da esquerda dos anos 60 que percebia em fenômenos sociais marcados por rupturas uma forma de revelação da verdadeira essência da vida, a coragem, o engajamento, o altruísmo, apesar de ateu (o que em si mesmo já era bastante revolucionário, não é mesmo!?).


Em segundo lugar, Sartre analisa o imperialismo de um modo original. Sua denúncia se alicerça no profundo conhecimento da história econômica cubana e mundial. Os dados compilados sustentam seu argumento de que antes da Revolução o que os cubanos “consideravam sinais de riqueza eram de fato sinais de dependência e de pobreza" (FSC:16). Sartre considera a eletricidade, o telefone e os veículos como exemplos típicos da dependência cubana em relação aos Estados Unidos. Assim, “a cada toque de telefone, a cada cintilação de néon, um pedacinho de dólar deixava a ilha e ia formar, no continente americano, um dólar inteiro com os outros pedaços que o esperavam”(FSC:16); a idéia de um Estado controlando outro pela economia interdependente, já revelada em estudos sobre a primeira e segundas guerras mundiais, é retomada quando afirma que “os monopólios americanos estabelecem em Cuba um estado dentro do estado, reinando numa ilha enfraquecida pela hemorragia de divisas”(FSC:17); o imperialismo norte-americano vendia um modo de vida aos cubanos em troca de sua dependência, fazendo-os imitar os ianques “sem possuírem os seus recursos” (FSC:18); por fim, o imperialismo toma conta do estado e de suas estruturas de legitimidade, fazendo com que uso da força através do exército garante o status quo. Nesse ponto, Sartre identifica a originalidade de Fidel, ao propor uma mudança radical em Cuba através da destruição do Exército, já que “o exército era a pedra a ser quebrada” (FSC:64). O exército era o ponto de apoio do estado imperialista corrompido. Era o estado alicerçado no exército que fazia de Cuba um tentáculo da economia norte-americana. Afirma Sartre: “desde que cheguei a este país, ao contrário, por toda a parte vejo o crime dos homens, abrindo-se aos nossos olhos: eram a chantagem e a violência que reduziam os cubanos a praticar a cultura extensiva, a mais desastrosa para as terras e a mais embrutecedora que os condenavam ao subemprego, recusando a variação de culturas, e ao desemprego, recusando dar-lhes usinas”(FSC:48).


Por fim, Sartre define o que entende por revolução, aproximando-se da nova esquerda européia, que percebia enganosamente na apologia da violência uma saída para a criação de uma nova humanidade. Para ele, “a revolução é remédio em dose cavalar: uma sociedade quebra os próprios ossos a marteladas, arrasa estruturas, convulsiona instituições, transforma o regime de propriedade e redistribui seus bens, orienta a produção segundo outros princípios, buscando aumentar-lhe, o mais depressa possível, o índice de crescimento e, no instante mesmo da mais radical destruição procura reconstruir, procura dar a si mesma, com enxertos de ossos, um novo esqueleto. O remédio é drástico. Frequentemente é preciso impô-lo pela violência” (FSC:21). Perdoamos os exageros sartrianos. Afinal de contas, quem poderia resistir ao perfume da revolução no seu frescor de um ano e dois meses? Poderia Sartre detectar a petrificação do poder cubano e sua escalada anti-republicana? O furacão continua sobre Cuba e pelo jeito haverão novas massas de ar frio vindas da América do Norte nos próximos dias.


[1] Parfum: perfume; ato de se informar, em francês. Trocadilho com o cheiro do charuto cubano e a informação trazida por Sartre espalhados no livro Furacão sobre Cuba. O autor é mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG. Site: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/doserro. Na imagem: esq: Simone de Beauvoir, Sartre e Che Guevara, 1960.
[2] Ver HERRERA, Rémy. Os efeitos do embargo contra Cuba; Cuba: Une Résistance socialiste en Amérique latine. In: Recherches Internationales, Paris (Set.2003). Disponível em http://www.rebelion.org/.
[3] PENA, Maria. Senadores americanos querem corrigir política "unilateral" contra Cuba. Disponível em http://noticias.bol.uol.com.br/internacional/2009/03/31/ult1808u137782.jhtm. Acesso: 10/04/2009.
[4] SARTRE, Jean-Paul. Furacão sobre Cuba. Rio de Janeiro: do Autor, 1960, 223 p. (2ªed.).

8 comentários:

  1. A abertura econômica de Cuba é mais do que uma opção, é uma necessidade do regime. Tanto que o embargo econômico era utilizado como uma arma política do regime castrista para demonizar a política externa norte-americana.
    A possível aproximação de Obama e a ilha desfaz uma aberração geográfica (tão perto, mas tão distantes) que insistia em permanecer em descompasso com o mundo.
    A fuga recente de atletas da ilha mostra que a mudança de Fidel para Raul não modificou a percepção dos cubanos sobre o regime, pelo menos de forma drástica.
    Cuba ainda incomoda os Eua?
    Os Eua ainda incomdam Cuba?
    Os dois ainda se incomodam?
    A aproximação de Obama eliminará todos os incômodos?

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  2. Pois é Leonardo... parece que a questão cubana é mais vasta do que pensamos. Trata-se de aceitar ou não a superiodade de país em relação ao outro e também de uma questão histórica grave(quem desmanda, quem manda, quem pode mais, qum pode menos). Nesse momento acredito que Cuba está mais apta ao diálogo mesmo porque não vejo interesse de Obama "invadir" e recoonizar Cuba...

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  3. Laura Ribeiro.
    Estando o Fidel Castro afastado do poder, mas exercendo ainda alguma influencia, vemos que com a mudança do governante dos EEUU, a situação de Cuba poderá melhorar e muito tanto no cenario da América Latina quanto no cenario mundial. A inflexibilidade ou falta de traquejo politico de Fidel, atrasou o desenvolvimento daquele país em algumas décadas.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Durante a revolução alastrou-se de que cuba já havia chegado ao socialismo.
    portando a política de cuba e constituir uma via de independência diante do imperialismo para melhorar as condições na exploração do pais e a transformação da burocracia.

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  6. A liderança inflexível que Fidel Castro exerceu sobre culpa acabou atrasando em alguns anos (ou até décadas). Mas, com o afastamento dele, Cuba ficará mais suceptível a conversas/mudanças e sua situação no cenário mundial pode melhorar muito. Além disso, como já dito, Cuba terá mais facilidade em aceitar que a abertura econômica a muito tempo nao é mais uma opção, já é uma necessidade!

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  7. Em 2005 fiz uma viagem turística a Cuba, atravessando o país de um extremo a outro. Minhas impressões, sob o enfoque de minha formação intelectual (jornalismo) foram publicadas no meu blog, que disponibilizo para os interessados, através de http://marcio.avila.blog.uol.com.br/cuba.htm. E saudações ao serrano Danilo (conterrâneo de minha mãe).

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  8. Muito bom esse artigo, perfumes realmente são um toque pessoal inconfundível de personalidade marcante, até mesmo o dos charutos.
    Abraços !

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