quarta-feira, 8 de abril de 2009

# 2 - A China triste: um sucesso de vendas


Por Leonardo Luiz Silveira da Silva, 9/4/2009

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Foi lançado na China no dia 13 de Março deste ano um livro chamado Unhappy China (China triste). O livro é um fenômeno de vendas e ainda não tem tradução. Possui ensaios de cinco autores que são três professores universitários e dois jornalistas, como traz na íntegra o texto de Raul Juste Lores[1] postado na página do Ministério das Relações exteriores do Brasil. O livro é um espetáculo de exaltação nacionalista, tão comum no período pós 1991. Fato é que a mistura tem ingredientes explosivos: Um país com comércio internacional crescente como a China, acaba recebendo no seio de sua nação todo o tipo de influência. Questionamentos acerca do tipo de regime que a China deve construir tornam-se freqüentes, a partir da idéia de modelos políticos ocidentais. Por mais que o modelo de Estado que a China espera desenhar para os anos vindouros possa ter requintes da cultura oriental, serão nada mais que meras adaptações de algo imposto culturalmente, vindo do ocidente. A atual crise parece ter criado, a partir da própria análise de Raul Juste Lopes, a percepção de que em termos relativos a China tornou-se ainda mais forte. Se ocorrerão perdas no PIB americano e da Europa ocidental em 2009, ainda é esperado um bom crescimento da China. Não tão bom se comparado aos anos anteriores, mas robustos e impressionantes se comparado a listagem das 10 maiores economias do mundo(A China é atualmente a quarta economia do planeta). Segundo a idéia do livro a crise diminuiu o poder relativo do Ocidente, e seria a hora da China marcar definitivamente o seu espaço de potência global. Para tanto, o livro defende que a China deve ter uma política internacional mais agressiva. Defende o maior investimento em defesa, justamente a maior diferença existente entre os Estados Unidos e os demais candidatos a potência do globo. Chomsky[2] define a balança de poder pós-1991:
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“Há um marcante desequilíbrio no sistema internacional pós-Guerra Fria: a ordem econômica é tripolar, mas a ordem militar não o é. Os Estados Unidos continuam a ser a única potência com a disposição e a capacidade de exercer a força em escala global. O poder militar, não sendo respaldado por uma base econômica equiparável, tem os seus limites como meio de coerção e dominação."
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Completando Chomsky, eu diria que uma potência econômica, sem exército capaz de fazer frente a outras potências, também tem a sua influência política limitada. É o que os ensaístas do livro China Unhappy defendem: um maior investimento no exército. Vejam que bela frase dita por um jornalista chinês ao fazer um comentário sobre a obra:
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“Relationships between nations are not like romantic relationships, which might demand a bit of petulance and coquettishness.” – Relações entre nações não são como relações românticas, demandam um tanto de petulância e “natureza de conquista”. – por Jing Kaixuan[3].
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Não é a toa que a obra vem sendo bem recebida pelos chineses. O livro também defende uma maior aproximação da China com a América Latina e África, pois como aspirante a grande potência mundial, precisa de aliados. Outro ponto importante é a construção da idéia de que o crescimento do poder relativo chinês significa necessariamente a diminuição do poder americano. Disputas políticas e econômicas já são claramente visíveis entre as duas grandes economias. Na ocasião do período em que os Estados Unidos estavam em plena cruzada-antiterror, houve uma legitimação explícita da ONU a respeito da intervenção militar no Afeganistão. Esta legitimação não foi encontrada no período em que os Estados Unidos a buscava junto ao Conselho de Segurança da ONU. Este mesmo conselho é o que a China participa com poder de veto. A China, assim como outros membros do Conselho de Segurança, posicionou-se contrária a invasão do Iraque, forçando os Estados Unidos a agirem de forma ilegítima, desconsiderando a decisão da instituição que ele mesmo ajudou a edificar. A China tem se oposto em pequenas questões em relação aos Estados Unidos de forma paulatina. Não só por causa de sua estratégia de contrabalancear o poder americano, mas também porque os interesses chineses realmente se chocam com os interesses americanos. Voltamos aqui na idéia de que o crescimento do poder relativo chinês significa a diminuição do poder americano.
Unhappy China é um chamado de resgate do nacionalismo, de pressão ao governo para que este assuma um política externa mais agressiva. Uma política externa deste tipo para a China pode representar uma nova Guerra Fria, a medida que se tornará incompatível com o funcionamento do mundo pós Guerra Fria. Depois de 1991 os Estados Unidos passaram a exercer a sua hegemonia política utilizando de forma eficaz o poder das instituições (OMC, ONU, FMI). Como o país, juntamente com alguns dos seus aliados da Europa Ocidental , são os principais financiadores destas instituições, que acabam sendo organismos que ajudam a instaurar uma ordem internacional. Esta ordem, pelas razões levantadas, é pautada por um conjunto de valores e entendimentos coletivos que partem das potências ocidentais. As instituições tornaram-se muito poderosas no período pós-Guerra Fria e tem conseguido moldar o comportamento da maioria dos Estados. Percebemos desta forma uma massificação de comportamentos a luz do entendimento ocidental de como um país deve se portar no ambiente internacional. Valores como o Liberalismo econômico, a democracia, os direitos humanos e a separação entre a religião e o Estado tem ultrapassado fronteiras anteriormente fechadas, causando choques culturais que são melhor ou pior assimilados. Acabam sendo assimilados pelo corpo do Estado. Mas as conseqüências disto para as sociedades que vivem nos Estados são imprevisíveis. Basta tomarmos como exemplo o 11 de Setembro. A Arábia Saudita possui boas relações com Washington, mas muitos cidadãos sauditas, incluindo Osama Bin Laden, estavam envolvidos direta ou indiretamente com os atentados.
No caso da China, parece-me que ela está acima da lei. Apesar de não se comportar exatamente como o entendimento coletivo construído pelo binômio instituições e financiadores, não vem sofrendo conseqüências negativas por isso. O motivo é claro: a grande capacidade do país de atrair investimentos e a sua importância para a economia mundial. Lógico que seria ótimo para investidores estrangeiros que muitas coisas na China mudassem na direção do discurso das instituições. Mas a imobilidade do Estado neste sentido ou a lentidão do Estado chinês para uma aproximação neste sentido não é, em nenhuma hipótese, um empecilho crucial a chegada de investimentos estrangeiros. Não podemos garantir que outros países que venham a teimar com as regras colocadas pelas instituições, não sofram profundamente com falta de investimento estrangeiro e com condenações unânimes por parte das outras nações, dificultando o acesso ao crédito e a sua participação no comércio internacional. Este é o mundo de um peso e duas medidas. Este é o mundo de uma China ainda triste, que se tornará feliz no momento em que, não só deixará de ser guiada pelas regras de outros como fará que os outros adotem as suas regras.
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Citações

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[1]http://www.mre.gov.br/portugues/noticiario/nacional/selecao_detalhe3.aspID_RESENHA=563299
[2] Chomsky, Noam. Contendo a democracia. Rio de Janeiro, Record, 2003.
[3] http://cmp.hku.hk/2009/04/02/1544/

3 comentários:

  1. Gostei de sua resenha! A China é um país, no mínimo, interessante, especialmente se levarmos em conta seu "comunismo" político e "capitalismo" como modo-de-produção assentado no autoritarismo e negação dos direitos civis. Em relação à nova guerra fria é preciso perceber que a China é capitalista aberta ao mundo, fato não ocorrido com a antiga URSS.

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  2. Se o livro não tem tradução, quer dizer que você lê em chinês?! Ou escreve a resenha ser o ter lido?!

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  3. A coluna não é uma resenha sobre o livro. É um comentário sobre o que foi noticiado a respeito do livro. Na página do ministério das relações exteriores do Brasil, assim como em fontes de jornalistas e intelectuais americanos, a descrição do livro é similar.(procure nas fontes citadas). A análise de Raul Juste Lores coincide em muitos pontos com a análise dos americanos. Quando acontecer uma tradução para o inglês, poderemos ter a ciência se tais análises são justas, apesar da justiça também ser um conceito subjetivo. Partindo do pressuposto que tais análises são fiéis ao conteúdo do livro, a coluna foi feita. Não é uma resenha do livro. Mas é uma análise de como o conteúdo pode estar liado ao atual momento político econômico do mundo.
    PS: A leitura da coluna já permite a verificação de que não se trata de uma resenha do Unhappy China.
    Obrigado por participar.
    Leonardo

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