Danilo Arnaldo Briskievicz[1]
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou um elogio do presidente dos EUA, Barack Obama, no dia 2 de abril. Ao encontrar o presidente brasileiro durante almoço que fez parte da reunião de líderes do G20 (grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento), em Londres, na Inglaterra, Obama afirmou que Lula “é o cara” e que o presidente brasileiro é o “político mais popular do mundo”.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva ganhou um elogio do presidente dos EUA, Barack Obama, no dia 2 de abril. Ao encontrar o presidente brasileiro durante almoço que fez parte da reunião de líderes do G20 (grupo de países desenvolvidos e em desenvolvimento), em Londres, na Inglaterra, Obama afirmou que Lula “é o cara” e que o presidente brasileiro é o “político mais popular do mundo”.
Em tempos de frases apaixonadas de Barack Obama dirigidas ao presidente Lula proponho uma reflexão acerca do vigor ou se quiserem do carisma a partir dos conceitos da pensadora Hannah Arendt. O carisma/vigor é uma propriedade do indivíduo e que se confunde com sua imagem e com sua biografia. Lula e Obama tem, e muito, vigor de sobra! Nossa provocação é no sentido distinguir o que, em política, representam fenômenos tão diversos e que aparecem tão coligados como vigor e poder, força e violência, poder e autoridade e violência e poder. Será que Lula e Obama tem poder ou apenas carisma? Será o poder a capacidade da res publica ou apenas de um indivíduo?
Hannah Arendt nos auxilia na distinção entre vigor e poder. E não só: entre poder, força, autoridade e violência. A distinção entre os termos poder, vigor, força, autoridade e violência é uma maneira de Arendt emancipar um termo do outro, a fim de não igualar, como se fossem sinônimos, vocábulos de diversos matizes, com significados construídos a partir de “fenômenos distintos e diferentes.” A preocupação pela depuração lingüística é importante uma vez que “por detrás da aparente confusão subjaz a firme convicção à luz da qual todas as distinções seriam, no melhor dos casos, de pouca importância: a convicção de que o tema político mais crucial é, e sempre foi, a questão sobre “quem domina quem”. Assim, esclarece Arendt, “poder, vigor, força, autoridade e violência seriam simples palavras para indicar os meios em função dos quais o homem domina o homem; são tomados por sinônimos porque têm a mesma função.” Distinguir os termos é liberar cada um deles de seu registro e vinculação tradicionais, uma vez que “somente quando os assuntos públicos deixam de ser reduzidos à questão do domínio é que as informações originais no âmbito dos assuntos humanos aparecem, ou, antes, reaparecem, em sua autêntica diversidade[2]”. A compreensão de cada termo em sua especificidade desvenda a tradição e renova o significado político de cada um.
O vigor é a resistência ou energia inerente a um objeto ou pessoa. O vigor se encontra no mundo em objetos ou indivíduos no singular. É parte integrante e inerente de coisas e pessoas e é experimentado em contato com outros, guardando sempre sua propriedade. A singularidade do vigor é a sua independência. Lula e Obama tem, juntos, os maiores índices de popularidade (opinião pública) do planeta.
A força não é nada mais que a liberação de energia conseguida através dos movimentos físicos ou da sociedade. O movimento totalitário é um movimento que necessitava de força bruta para manter sua mobilidade. Para Arendt, “embora a eficácia da violência não dependa de números é, contudo na violência coletiva que vem à tona o seu caráter mais perigosamente atrativo, e isto de modo algum por que haja segurança em números.” Assim, “em todos os empreendimentos ilegais, criminosos ou políticos, o grupo, pelo bem de sua própria segurança, exigirá “que cada indivíduo cometa uma ação irrevogável”, a fim de destruir as suas pontes de ligação com a sociedade respeitável, antes que seja admitido na comunidade da violência”(SV:50).
A autoridade fundamenta-se no respeito à pessoa ou à instituição. A autoridade para obter sua manutenção não necessita de coerção nem de persuasão. O desprezo marca a decadência da autoridade. O argumento de Arendt é que autoridade desapareceu do mundo moderno, criando uma “crise constante da autoridade”, e diante da crise a sua confusão com a violência é notória, “visto que autoridade sempre exige obediência ela é comumente confundida com alguma forma de poder ou violência. Contudo, a autoridade exclui a utilização de meios externos de coerção; onde a força é usada, a autoridade em si mesmo fracassou.(...) se a autoridade deve ser definida de alguma forma, deve sê-lo, então, tanto em contraposição à coerção pela força como à persuasão através de argumentos.” Nessa confusão, percebe-se claramente que “nosso conceito de autoridade é de origem platônica,” uma vez que um “mesmo argumento é frequentemente utilizado com respeito à autoridade: se a violência preenche a mesma função que a autoridade – a saber, faz com que as pessoas obedeçam–, então violência é autoridade[3]”
A violência é um instrumento. Aproxima-se do vigor no sentido de que os instrumentos pretendem multiplicar a energia do objeto – no caso da bomba atômica ou do indivíduo – no caso de uma arma de fogo. Para Arendt, “jamais existiu um governo exclusivamente baseado nos meios de violência. Mesmo o domínio totalitário, cujo principal instrumento de dominação é a tortura, precisa de uma base de poder – a polícia secreta e sua rede de informantes.” Ou seja, “homens sozinhos, sem outros para apoiá-los, nunca tiveram poder suficiente para usar da violência com sucesso”(SV:41). Enfatiza Arendt que a violência torna o poder impotente. Por isso, “do cano de uma arma emerge o comando mais efetivo, resultando na mais perfeita e instantânea obediência. O que nunca emergirá daí é o poder”(SV:42). Diferentemente da tradição que equaciona poder e violência, para Arendt, quando a violência é total o poder está se deteriorando. Na política, “substituir o poder pela violência pode trazer a vitória, mas o preço é muito alto; pois ele é não apenas pago pelo vencido como também pelo vencedor, em termos de seu próprio poder”(SV:42).
O poder não se enquadra, para Arendt, dentro do binômio mando-obediência. Pelo contrário, o poder é cooperativo, permite a pluralidade de opiniões, uma vez que “corresponde à habilidade humana não apenas para agir, mas para agir em concerto.” O poder não é como o vigor, pois não pertence a um indivíduo, mas tem um caráter coletivo, “pertence a um grupo e permanece em existência apenas na medida em que o grupo conserva-se unido”(SV:36), resumido na expressão política latina potestas in populo – sem um povo ou grupo não há poder. Por conseqüência, “em todas as repúblicas com governos representativos, o poder emana do povo. Isto significa que o povo dá poderes a certos indivíduos para representá-lo, para agir em seu nome. Quando falamos em perda de poder, significa que o povo retirou seu consentimento àquilo que seus representantes, os funcionários eleitos autorizados, fazem[4].” Com isso, o poder é politicamente flexível, mutável, finito e depende da ação humana livre para manter-se. Para Arendt, “o poder é de fato a essência de todo governo, mas não a violência. A violência é por natureza instrumental; como todos os meios, ela sempre depende da orientação e da justificação pelo fim que almeja. E aquilo que necessita de justificação por outra coisa não pode ser essência de nada. O poder é “um fim em si mesmo”. E, posto que o governo é essencialmente poder organizado e institucionalizado, [é] para possibilitar que os homens vivam em comum” (SV:41).
A convivência política e o poder que emana desse estar juntos necessita de legitimidade. Segundo Arendt, “o poder emerge onde quer que as pessoas se unam e ajam em concerto, mas sua legitimidade deriva mais do estar junto inicial do que de qualquer ação que então possa seguir-se.” Assim, “a legitimidade, quando desafiada, ampara-se a si mesma em um apelo ao passado, enquanto a justificação remete a um fim que jaz no futuro. A violência pode ser justificável, mas nunca será legítima. Sua justificação perde em plausibilidade quanto mais o fim almejado distancia-se no futuro” (SV:41).
Portanto, para Arendt, poder não é uma ação individual, mas uma capacidade popular de agir em função de um objetivo comum. O que Lula e Obama apresentam é um grande vigor. Será que a res publica tem, ainda, esse mesmo vigor na América do Norte e no Brasil? Como o povo, de fato, vivencia esse poder? O povo é o cara!, diria Hannah Arendt...
[1] Mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG. Site: http://recantodasletras.uol.com.br/autores/doserro
[2] ARENDT, Hannah. Sobre a violência. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.36. Doravante apenas SV seguido da página.
[3] Idem. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2000 (5ª ed.), p. 127, 128, 129, 140.
[4] Idem. Da violência. In:Crises da república. São Paulo: Perspectiva, 1973, p. 193.
Grande Briska,
ResponderExcluirÉ isso que me deixa nervoso: o poder emana do povo e, contudo, nada é mais dominado que o povo. Mas, na conclusão deste trabalho está a resposta para o porquê disto: há poder onde há um "estar junto", que, pelo que entendi, significa união. é aí que pecamos, pois somos desunidos como povo.
Ranieri Nunes
Outro problema é que, para nos unirmos, temos que trabalhar. Isto toma um tempo que muitos de nós não tem. E não é um trabalho simples: tem que ser engajado.
deveríamos ser, no âmbito da Política, não como a galinha para o omelete, mas como o porco para o omelete: a galinha fornece o ovo, e continua viva; então ela é envolvida com o omelete. Já o porco fornece o bacon, e para isto tem que morrer. Ele é comprometido com o omelete.
Tomei a liberdade de enviar sua página para Tia Elgita e Antero, que estão em plena campanha política em Mariana.
Olá Danilo,
ResponderExcluirParabéns pela matéria. Gostei muito das suas reflexões sobre o vigor ou o carisma a partir dos conceitos da pensadora Hannah Arendt. Ler as matérias que você escreve tem me ajudado a entender alguns momentos importantes do pensamento desta grande filósofa.
Fiquei feliz de ver um texto diferente da leitura costumeira da mídia, que teima em caracterizar o Lula como populista. Como bem mostra Marilena Chauí [1], esta caracterização é incompatível com o próprio conceito de populismo concebido pela sociologia brasileira, que não é homogêneo. A mídia, defendendo os interesses classistas da elite desse país, entra em contradição ao tentar aproximar o conceito de populismo com o fato de termos um presidente operário e sem diploma. Segundo esta filósofa “O populismo (...) é a política da classe dominante para exercer o controle sobre as classes populares e/ou sobre a classe média tanto por meio da concessão de benefícios pontuais quanto por meio da figura do governante como salvador e protetor."
Certamente esses traços estão ausentes no presidente Lula. O que realmente incomoda a mídia, além das gafes cometidas pelo presidente sem diploma, são os programas de transferência de renda que realmente beneficiam as classes populares e as políticas de inclusão. Além disso, esses investimentos reduzem a parte do bolo utilizada historicamente para a construção e manutenção dos privilégios de classe.
[1] Entrevista concedida à Revista Cult nº133 - março de 2009. pag. 16-23.