Danilo Arnaldo Briskievicz
Sociedade: Nicolau Maquiavel estuda a sociedade pela "análise efetiva dos fatos humanos[1]". Não se prende em especulações teológicas ou metafísicas. Seu conceito de sociedade pressupõe uma definição da psicologia humana e outra da história. A sociedade é constituída por homens de natureza ambígua, contraditória. Querem não ser dominados enquanto o Estado os pretende dominar. Para Maquiavel, os homens não são, como se pensava até então, devotados essencialmente ao bem: "Maquiavel conclui, por meio do estudo dos antigos e da intimidade com os potentados da época, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei. Os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas a s cidades e em todos os povos[2]".
Sociedade: Nicolau Maquiavel estuda a sociedade pela "análise efetiva dos fatos humanos[1]". Não se prende em especulações teológicas ou metafísicas. Seu conceito de sociedade pressupõe uma definição da psicologia humana e outra da história. A sociedade é constituída por homens de natureza ambígua, contraditória. Querem não ser dominados enquanto o Estado os pretende dominar. Para Maquiavel, os homens não são, como se pensava até então, devotados essencialmente ao bem: "Maquiavel conclui, por meio do estudo dos antigos e da intimidade com os potentados da época, que os homens são todos egoístas e ambiciosos, só recuando da prática do mal quando coagidos pela força da lei. Os desejos e as paixões seriam os mesmos em todas a s cidades e em todos os povos[2]".
Maquiavel define a história como constituída por ciclos incessantes. Os fatos históricos repetem-se aparentemente diferentes, mas essencialmente iguais. Como os fatos são eternamente recorrentes, conhecer a dinâmica deles e sua recorrência é importante para o estudo do presente. Importante, claro, para conhecer e atuar na sociedade de maneira eficaz. A sociedade é constituída por homens concretos e históricos, que precisam de um governo centralizado e forte para moldar a natural maldade humana, impedindo que seja desagregadora social. Isso significa que o príncipe, conhecedor da psicologia humana e da história que se desenvolve em ciclos recorrentes, é a personagem que deve ordenar a sociedade: "não existiria, contudo, uma ordem ideal, com validade absoluta, independente da organização social concreta dos povos. O povo é, para Maquiavel, uma matéria que aguarda sua forma e a engenharia da ordem parte da análise da situação social, não resultando do arbítrio do fundador de Estados, mas de sua capacidade para captar, num momento de gênio, aquela forma desejável e de sua disposição para impô-la sem vacilação[3]".
Quem poderá impor a ordem à sociedade? O Estado. E quem controla o Estado e sujeita a sociedade às suas leis e ordens? O príncipe. Assim, concluímos que a sociedade de que fala Maquiavel é constituída por homens que podem se apresentar como maus, traidores, malignos. Mas esses mesmos homens devotados ao mal encontram-se numa necessidade de organização social que seja para eles um respeito à sua liberdade e não apenas o controle fútil da cidadania. Essa mesma sociedade se forma historicamente em ciclos que se repetem, são recorrentes. Essa sociedade – mundana, concreta, disforme, maligna deve ser domada pelo príncipe. Ou o príncipe materializa a forma e a engenharia da ordem social ou não poderá manter seu poder e ampliá-lo: "para Maquiavel, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo estado[4]".
O Estado: o Estado, sua formação, sua fundação e sua manutenção são temas recorrentes no texto de O Príncipe. Maquiavel afirma “que deseja escrever coisa que preste, útil; por isso não tratará do Estado como deve ser mas como é; nada melhor, para que o governante planeje bem suas ações. A ação deliberada, planejada, eficaz se dá no plano do que ele chama de virtù e que nada tem a ver com a virtude, no sentido cristão ou moral. Mas ninguém realiza todos os seus planos. Metade dos resultados de nossas ações, diz, se deve à virtù, metade à fortuna[5].” Partindo da observação da Itália do Renascimento, época de Maquiavel, podemos fazer algumas anotações sobre seu modo de caracterizar o Estado. Na Itália de sua época, reinava uma enorme confusão: "a tirania impera em pequenos principados, governados despoticamente por casas reinantes sem tradição dinástica ou de direitos contestáveis. A ilegitimidade do poder gera situações de crise e instabilidade permanente. Somente o cálculo político, a astúcia, a ação rápida e fulminante contra os adversários são capazes de manter o príncipe. Esmagar ou reduzir à impotência a oposição interna, atemorizar os súditos para evitar a subversão e realizar alianças com outros principados constituem o eixo da administração. Como o poder se funda exclusivamente em atos de força, é previsível e natural que pela força seja deslocado, deste para aquele senhor. Nem a religião, nem a tradição, nem a vontade popular legitimam o soberano e ele tem de contar exclusivamente com sua energia criadora. A ausência de um Estado central e a extrema multipolarização do poder criam um vazio, que as mais fortes individualidades capacitam-se a ocupar[6]."
O Estado, para impedir a multipolarização do poder, devido à ação dos condottieri – especialistas na técnica militar, mercenários da segurança nacional, necessitava ser centralizado, comandando pela mão-de-ferro de um soberano – o príncipe. O príncipe por suas vez, deveria estar aparelhado de uma guarda nacional fiel, dócil e obediente, para manter a ordem interna do Estado e lutar por novos domínios e pela manutenção do seu território (soberania). Por isso, "face à Itália da sua época – dividida, corrompida, sujeita às invasões externas – Maquiavel não tinha dúvidas: era necessário a sua unificação e regeneração. Tais tarefas tornavam imprescindível o surgimento de um homem virtuoso capaz de fundar um Estado. Era preciso, enfim, um príncipe[7]." O Estado para Maquiavel é a organização da relação de forças entre o comando e a obediência. O Estado precisa usar da coerção para se manter poderoso em relação aos conflitos internos e externos. Uma Itália armada para coibir a desordem interna e conquistar novos domínios era necessária. Assim, Maquiavel funda uma nova visão política de Estado: "desde a primeira frase do príncipe, o termo Estado, sem ser definido de modo rigoroso, designa uma configuração política que implica a organização da relação de forças entre o comando e a obediência: ele caracteriza, na sua "verdade efetiva", o "novo principado" que Maquiavel sonda[8]". O Estado para Maquiavel tem uma função reguladora. Uma nação deve ser regulada pelo Estado: "para Maquiavel, o essencial numa nação é que os conflitos originados em seu interior sejam controlados e regulados pelo Estado. Em função do modo pelo qual os bens são compartilhados, as sociedades concretas assumem diferentes formas. Assim, onde persista ou possa persistir uma relativa igualdade entre os cidadãos, o fundador de Estados deve estabelecer uma república. Ocorrendo o contrário, manda a prudência que seja constituído um principado. Se não proceder assim, o governante formará um Estado desequilibrado e sem harmonia, que não poderá subsistir por muito tempo[9]".
Qual o fundamento do Estado para Maquiavel? A ordem. Essa mesma ordem, em vista de uma Itália em profunda confusão política externa e interna, seria o objetivo maior de Estado regulador e centralizador, apesar de não ser previamente prevista: “o núcleo da organização do Estado residiria na ordem, que pode manifestar-se sob várias formas, mas que se apresentaria basicamente como principados ou como repúblicas. As repúblicas apresentariam três modalidades: a aristocrática, como Esparta, em que uma maioria de governados encontrava-se subordinada a uma minoria de governantes; a democracia restrita, na qual se dá o contrário, como ocorreu em Atenas; e a democracia ampla, quando a coletividade se autogoverna, fenômeno encontrado em Roma após a instituição dos tribunos da plebe e a admissão do povo à magistratura. Não existiria, contudo, uma ordem ideal, com validade absoluta, independente da organização social concreta dos povos[10]". Na busca da ordem, de um estado articulado na possibilidade do uso da força, quem estaria autorizado a exercer a função de governante, a função de chefe-de-Estado? Quem seria este fundador de Estados? O príncipe virtuoso e afortunado: "o fundador de Estados não é, para Maquiavel, um homem qualquer, mas uma personalidade fora do comum, dotada de uma ética superior, que lhe faculta o uso de meios extraordinários para a organização de remos ou repúblicas[11]." Por isso, conclui-se que o homem de Estado de Maquiavel, a partir da leitura do Capítulo XVIII de O Príncipe é aquele que realiza "grandes coisas": o "que conta na conduta do homem de Estado é o fim, a "grande coisa", e a realização do fim torna lícitas ações, tais como não observar os pactos estabelecidos, condenadas pelo código moral, ao qual devem obedecer os comuns mortais[12]".
[1] MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo:Nova Cultural, 1999, p.16. Danilo A. Briskievicz é mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG.
[2] Ibid., 17.
[3] Ibid., 21.
[4] Ibid., 20.
[5] RIBEIRO, Renato Janine. Maquiavel. Disponível em http://www.renatojanine.pro.br
[6] MAQUIAVEL. Op. Cit., p. 6-7.
[7] WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da Política 1. São Paulo: Ática, 2000, p. 21.
[8] GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 19.
[9] MAQUIAVEL. Op. Cit., p.20.
[10] Ibid., p.20-21.
[11] Loc. Cit.
[12] BOBBIO, Norberto. Teoria geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.194.
[1] MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. São Paulo:Nova Cultural, 1999, p.16. Danilo A. Briskievicz é mestre em Filosofia Social e Política pela UFMG.
[2] Ibid., 17.
[3] Ibid., 21.
[4] Ibid., 20.
[5] RIBEIRO, Renato Janine. Maquiavel. Disponível em http://www.renatojanine.pro.br
[6] MAQUIAVEL. Op. Cit., p. 6-7.
[7] WEFFORT, Francisco C. (Org.). Os clássicos da Política 1. São Paulo: Ática, 2000, p. 21.
[8] GOYARD-FABRE, Simone. Os princípios filosóficos do direito político moderno. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 19.
[9] MAQUIAVEL. Op. Cit., p.20.
[10] Ibid., p.20-21.
[11] Loc. Cit.
[12] BOBBIO, Norberto. Teoria geral da Política. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.194.
legal, adorei!
ResponderExcluirMuito bom! Sou acadêmica do 1º Período do curso de Direito, e este texto vai me ajudar muito na prova de Ciência Política e Teoria geral do estado. Obrigada. :)
ResponderExcluirAchei a linguagem didática e muito esclarecedora, contribuiu grandemente para entendimento do livro "O príncipe" d Maquiável.
ResponderExcluirbom isso
ResponderExcluiraff' odiei, tem muita coisa pra mim ler, nam !
ResponderExcluirribodibibum
ResponderExcluirMuito bom!!! Mostra a ideia de Maquiavel em relação ao estado e sociedade de forma clara e objetiva. Parabens.
ResponderExcluirBom trabalho.
ResponderExcluirÓtimo.
ResponderExcluirÓtimo texto
ResponderExcluirTexto muito bem elaborado. Sintetiza claramente pontos principais do pensamento de Maquiavel. Parabéns.
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